01
mar

Colocar emprego e renda no centro da política econômica

O Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina, José Álvaro de Lima Cardoso, destrincha neste artigo os fatores que geram e agravam a crise econômica. "Há nos governos hoje uma espécie de obsessão pela austeridade, mas penalizando os gastos sociais, salários e aposentadorias, sem atacar o essencial, que são os gastos com a dívida pública. O resultado deste tipo de política, como se observa no mundo, é o agravamento da crise." Leia o artigo na íntegra:

*José Álvaro de Lima Cardoso

 

A situação econômica mundial está complicada por uma série de razões. Uma das principais, apontada por alguns analistas importantes, é a concentração da renda ao nível mundial. A distância entre ricos e pobres vem aumentando e o 1% mais rico detêm mais riqueza que os 99% restantes. Como apontou recente estudo do Comitê de Oxford de Combate à Fome (Oxfam, na sigla em inglês), o sistema econômico está estruturado para favorecer quem já dispõe de altos rendimentos, como demonstram os “paraísos fiscais”, que detêm no momento US$ 7,6 trilhões, correspondentes ao PIB do Reino Unido e da Alemanha, reunidos.

No centro da crise está também a queda drástica do preço do petróleo, como se sabe. Os países que exportam petróleo têm reduzido os gastos e os que importam o produto – e, portanto, ganham com o menor preço – não necessariamente gastam os recursos poupados, por não saberem se o ganho se manterá no longo prazo. Também por essa razão, é um total absurdo a aprovação, no dia 24 de fevereiro, no Senado, do Substitutivo ao PLS 131 que retira a obrigatoriedade da Petrobrás ser a operadora única do Pré-Sal, bem como a garantia de participação mínima de 30% nos campos licitados, como prevê a Lei 12.351/2010, que instituiu o regime de Partilha. O projeto vai claramente contra os interesses do Brasil e de seu povo e interessa diretamente às petrolíferas estrangeiras. A Petrobrás tem reservas garantidas de 14,5 bilhões de barris.

Por isso é muito estranha a pressa em fazer novos leilões, especialmente quando há petróleo sobrando no mundo. Com a recessão, o recuo do PIB per capita no Brasil, em 2015 e 2016, pode alcançar 11%. A crise econômica, ao tornar o cobertor da riqueza mais curto, ameaça retirar rapidamente os avanços no campo da distribuição de renda, que o Brasil vinha galgando a duríssimas penas na última década. O mais grave é que o debate público sobre as grandes questões nacionais está dominado pela mediocridade e pelos interesses da minoria. Não se consegue qualificar o nível da discussão. A situação econômica é bastante difícil como se sabe, mas está longe de ser caótica. No entanto, a crise é superdimensionada por interesses econômicos, numa espécie de “terrorismo econômico” permanente (os exemplos são inúmeros, mas o tema sairia do foco deste artigo).

Neste contexto, é preocupante o conteúdo do documento divulgado em 19 fevereiro pelo Ministério da Fazenda, intitulado Reforma Fiscal de Longo Prazo. Segundo o documento, a proposta do governo é continuar neste ano com a política de austeridade fiscal praticada em 2015, que fracassou rotundamente. O documento do Ministério da Fazenda, em determinada altura diz que o esforço de 2015 “não foi suficiente para gerar superávits primários nos últimos anos devido à redução do nível de atividade econômica e à elevada rigidez do gasto público”. Em outra passagem o documento explicita a intenção de fazer a Reforma da Previdência: “para controlar o gasto obrigatório é necessário reformar a Previdência, controlar o gasto público com pessoal e adotar um limite global para o gasto primário da União”.

A julgar pelo teor do documento, e de outras indicações, mudou o Ministro da Fazenda, mas o diagnóstico permanece o mesmo. De fato, todos os cortes de despesas do ano passado não foram suficientes para gerar superávit primário, mas, como se sabe, o problema central no campo fiscal são os gastos com a dívida pública. Estes chegaram a R$ 500 bilhões no ano passado, quase 18 vezes os  gastos com o Bolsa Família (que tira 55 milhões de brasileiros da fome). O erro capital do governo em 2015 foi promover um ajuste fiscal, aprofundando ainda mais a recessão, que já estava em curso. Há nos governos hoje uma espécie de obsessão pela austeridade, mas penalizando os gastos sociais, salários e aposentadorias, sem atacar o essencial, que são os gastos com a dívida pública. O resultado deste tipo de política, como se observa no mundo, é o agravamento da crise.

O momento exige ações exatamente na direção oposta: aumentar os gastos dos governos no social e na produção, investir em tecnologia, educação e infraestrutura. Seria fundamental também tornar a estrutura tributária mais justa, cobrando mais impostos de quem pode pagar mais, uma urgência no Brasil. No Brasil, quem paga imposto são os pobres e assalariados, os ricos entram com um volume ridículo, desproporcional à sua renda e patrimônio. A gravidade da situação atual exige medidas ágeis e impactantes, que retirem o governo da letargia, e que assegurem as conquistas da última década, como a melhoria dos salários e da distribuição de renda. E tudo isso com muito sentido de urgência.

Nos últimos anos nada foi mais importante no Brasil do que a redução do desemprego, a elevação da renda e as políticas sociais. Para o grosso da população não existem medidas mais importantes do que essas. Superávit primário baseado em cortes de gastos públicos interessam apenas à minoria de rentistas e parasitas. Em todo o mundo, o que se verifica é que o desemprego é a verdadeira causa da instabilidade social. Por isso o governo brasileiro tem que colocar a geração de emprego e renda como o centro da política econômica.


*Economista e supervisor técnico do Departamenteo Intersindical de Estatísticas e Estudos Socio-Econômicos (Dieese) em Santa Catarina

Compartilhe a notícia