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fev

Conselho retoma debate sobre registro profissional para farmacêutico

Debate sobre prova para registro profissional para farmacêutico ganha força diante da abertura de cursos de Farmácia na modalidade de Educação a Distância. O tema foi objeto de discussão durante a reunião plenária do Conselho Federal de Farmácia, em janeiro.

 

O assunto é muito polêmico e não há consenso na categoria sobre a oportunidade de se criar uma prova de proficiência ou suficiência para a obtenção de registro profissional, nos molde do que ocorre com os advogados, por exemplo. Por isso, na plenária do Conselho Federal de Farmácia deste mês, foi proposto que se abrisse uma consulta pública “para avaliar a opinião dos farmacêuticos, dos estudantes, da sociedade sobre a possibilidade de se instituir alguma prova para a obtenção do registro profissional para o farmacêutico. Isso foi amplamente divulgado e está correndo nas redes sociais. Muitas pessoas apoiando como uma estratégia positiva e muitas pessoas criticando”, informou a diretora de Educação da Fenafar, Silvana Nair Leite, que também é conselheira federal suplente pelo Estado de Santa Catarina.

O presidente da Fenafar e do Conselho Nacional de Saúde, Ronald Ferreira dos Santos, concorda que é preciso fazer o debate, mas ressalta que é prerrogativa do Sistema Único de Saúde, previsto na artigo 200 da Constituição e na sua lei orgânica, a responsabilidade de fazer a ordenação e avaliação dos recursos humanos para a área da Saúde. “O SUS tem esta prerrogativa. A avaliação dos cursos pelo controle social da saúde no Brasil é uma proposta do Conselho Nacional de Saúde, que tem embasamento legal pela legislação brasileira e que precisa ser considera neste cenário. Então, o processo de qualificação e garantia de padrões para as competências e qualificações dos profissionais que vão atuar nos serviços de saúde no país, precisa passar pelo Sistema de Saúde”.

Para Silvana, este é um debate que deve contar com o forte envolvimento de toda a categoria e da sociedade. “O tema é polêmico, mas é necessário e importante que a categoria e a sociedade o discutam. Se o Conselho Federal de Farmácia abrir esta consulta é extremamente importante que todos debatam de forma aprofundada o assunto, olhando a experiência de outros países, o cenário real e concreto do Brasil e nossa condição política, econômica e social. Temos que tratar do assunto de forma ampliada, pensando não só numa prova de proficiência, mas pensando em um processo de formação profissional contínuo, como o aplicado em outros países (sob a sigla CPD – Continuing Professional Development), e que vai exigir o envolvimento das nossas instituições de representação da categoria e de educação farmacêutica, como a Associação Brasileira de Ensino de Farmácia (ABEF), do movimento estudantil de farmácia, e dos sindicatos e da Federação que, como representantes de categoria profissional, precisam estar fortemente engajados neste debate, porque isso vai influenciar a característica do nosso mercado de trabalho, do trabalho que vai ser ofertado pelo farmacêutico para a sociedade, no número de profissionais. Então, isso tem um impacto para a categoria e nós temos que estar preparados, abertos e engajados neste debate”, avalia.

Abaixo, em breve entrevista ao site da Fenafar, a farmacêutica, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, diretora de Educação da Fenafar, presidente da Escola Nacional dos Farmacêuticos e conselheira federal suplente, Silvana Nair Leite, fala sobre o cenário de expansão do mercado de ensino de farmácia à distância, da fragilidade de fiscalização do Estado e pontua os vários aspectos que envolvem a discussão sobre a adoção ou não de provas ou avaliações para a obtenção do registro profissional para os farmacêuticos, trazendo alguns exemplos de como outros países lidam com o tema.

Fenafar: Qual é o atual cenário de abertura de cursos na modalidade de Educação à Distância para graduação em Farmácia?

Esse é um tema muito importante sobre o qual as entidades farmacêuticas têm se debruçado e lutado incansávelmente para combater a aprovação de abertura de cursos à distância para a farmácia e na área da saúde como um todo.

No entanto, o cenário que estamos vivendo no Brasil é propício para este tipo de investimento, porque nós temos um mercado da educação extremamente incentivado e ampliado. Este setor empresarial da educação enquanto mercadoria ofertada para a população brasileira domina hoje as instituições que devem avaliar e executar as políticas públicas de educação.

Então, nós temos um cenário de muita adversidade para conseguir estabelecer políticas e normas para o uso adequado da educação à distância. O que tem prevalecido nas últimas regras aprovadas é a permissão de cursos à distância sem compromissos, parâmetros e sem a avaliação adequada.

Nós temos hoje, no Brasil, a possibilidade de ofertar cursos de farmácia em EAD. São mais de 600 cursos de farmácia registrados no Ministério da Educação. Só para a Educação à Distância (EaD) há hoje mais de 25 mil vagas abertas, ou vagas permitidas, de faculdades que já solicitaram a abertura de vagas em EaD e foram aprovadas pelo Ministério da Educação. Que se tenha notícia, nenhum destes cursos iniciou suas atividades ainda, mas a oferta tem aparecido muito fortemente, com propaganda ostensiva nas redes sociais, divulgando cursos de valores bem baixos, o que já nós leva a imagina qual será a qualidade destes cursos. A condição de qualidade para estes cursos não é adequada – inclusive dos cursos presenciais atualmente ofertados são de qualidade duvidosa, mesmo tendo passado por avaliação do INEP. Esses cursos deixam muito a desejar em termos de infraestrutura, de qualificação de professores, de investimento em pesquisa e extensão e a categoria tem avaliado que há um grave problema de qualidade na formação em farmácia no país.

Fenafar: E diante deste avanço de cursos em EaD e da proliferação de cursos de baixa qualidade que se começou a discutir o registro profissional? Como deve ser conduzido este debate?

Sim, este cenário despertou a reativação de um tema bastante importante para a categoria farmacêutica, que é o das provas de proficiência para a obtenção do registro profissional do farmacêutico. Ou seja, discutir como uma possibilidade de avaliação da formação e das competência dos farmacêuticos, a criação de alguma prova ou avaliação para que o sistema Conselhos de Farmácia permita ou não que o graduado, o bacheral em farmácia, possa atuar como farmacêutico. Esse tema já foi muitas vezes debatido entre os farmacêuticos brasileiros, não há consenso sobre este assunto, mas ele é muito caro para a profissão e precisa ser discutido com seriedade.

Na plenária do Conselho Federal de Farmácia deste mês foi proposto que se abrisse uma consulta pública para identificar, avaliar a opinião dos farmacêuticos, dos estudantes, da sociedade sobre a possibilidade de se instituir alguma prova para a obtenção do registro profissional para o farmacêutico. Isso foi amplamente divulgado e está correndo nas redes sociais. Muitas pessoas apoiando como uma estratégia positivas e muitas pessoas criticando. Tanto as críticas quanto os apoios têm as suas motivações e razões.

Fenafar: Como outros países enfrentam esse tema?

A questão da aplicação de provas para registro profissional é amplamente utilizada no mundo inteiro. A maioria dos países com grande organização de categorias profissionais e de atuação dos profissionais de saúde tem sim alguma estratégia de avaliação para a obtenção do registro profissional de farmacêutico.

Para a gente ter uma ideia, no Canadá, por exemplo, se utiliza uma prova de simulação de processos de dispensação de medicamentos, simulação de situações reais, numa prova super padronizada, bem conhecida em que os recém-formados precisam obter uma pontuação mínima que demonstre habilidades e competênciais para poder ingressar na carreira profissional.

No entanto, o que tem aparecido muito forte como tendência no mundo é o desenvolvimento profissional contínuo, cuja sigla em Inglês é CPD (Continuing Profissional Development). O conceito subjacente a isso é o de que nenhum profissional está preparado constantemente para atuar na sua profissão só porque fez um curso de farmácia uma vez. A ideia é a de que os profissionais de saúde precisam estar em constante formação, e essa formação constante é avaliada e chancelada pelos órgãos de classes, pelas associações profissionais ou conselhos de classe, pelas instituições que representam a categoria e pelos sistemas de saúde.

Muitos países têm programas de formação continuada para os farmacêuticos e um sistema que aprova ou não a continuidade do registro profissional. Em alguns, é o sistema público o responsável por esta formação continuada. Por exemplo, no caso da Inglaterra, o estágio final de um ano do farmacêutico para ele obter o registro de farmacêutico, é feito no NHS, que é o sistema de saúde inglês. É o NHS que viabiliza estes estágios no sistema e avalia os estudantes do estágio. Só após a aprovação deste estágio, é que ele pode realizar os exames finais para obter o registro de farmacêutico. Então, veja, há um envolvimento do próprio sistema de Saúde, porque é do interesse público a garantia da qualidade do profissional que vai entrar no mercado.

Desta forma, esse conceito de formação continuada, há avaliação ao final da graduação para entrar na profissão e há um processo de avaliação, em geral a cada dois ou quatro anos, dependendo do país, que avalia a sua formação continuamente para manter o registro profissional. Veja que é algo bem mais avançado no sentido de desenvolvimento profissional contínuo, que é um conceito, este sim muito mais adequado do que pensar apenas uma prova de proficiência muito pontual e teórica. Então, no desenvolvimento profissional contínuo se avalia a participação em cursos, projetos, os estágios profissionais, a própria atuação profissional, uma série de possibilidades de o farmacêutico demonstrar que ele está em um processo permanente de qualificação profissional das suas competência e habilidades dentro da profissão farmacêutica. Um conceito, aliás, já bem conhecido dos profissionais que atuam no SUS, porque há um política de educação permanente para estes profissionais.

Fenafar: E como isso poderia se aplicar no Brasil?

Essa é uma estratégia aplicada em muitos locais, como uma competência e uma obrigação dos órgão de classe, porque a função dos conselhos é proteger a sociedade da atuação do profissional. Proteger a sociedade de se expôr a um profissional mal formado é sim uma prerrogativa das instituições de classe e do Estado, através dos seus órgãos reguladores e também do sistema de Saúde, no nosso caso o SUS. Então, é bastante plausível pensar que a gente precisa desenvolver para o Brasil uma proposta de regulamentar e ter maior ingerência sobre o que os profissionais farmacêuticos estão realmente aptos a desenvolver e como desenvolver. Isso vai muito além do que temos hoje que é pensar apenas na fiscalização profissional baseada apenas no estabelecimento. Nossa fiscalização possível hoje é o de estar no estabelecimento, no ambiente de trabalho como responsável técnico. Mas, o que ele desenvolve, como desenvolve e que competências ele tem para desenvolver suas funções não é avaliado até agora, não temos os mecanismos adequados para fazer esse tipo de avaliação.

No cenário que nós temos hoje, do grande número de cursos e da própria formação à distância, emerge a maior necessidade de se criar um sistema dos conselhos profissionais, orgão de classe e do Estado de terem mecanismos com mais responsabilidade para avaliar sim as competências e habilidades do profissional que está se apresentando na sociedade.

Fenafar: E quais os aspectos preocupantes dessa proposta?

É uma estratégia passível de críticas. Porque nós temos algumas experiências no Brasil, por exemplo no Direito, em que há um enorme e absurdo número de cursos de graduação em Direito, ou seja, o Estado permite que se abra e oferte cursos de Direito em qualquer condição. Se o Estado autoriza a abertura, aprova a abertura daquele curso, as pessoas têm o direito de entender que aquele curso de graduação é de qualidade. As pessoas ficam expostas, se matriculam, dedicam quatro a cinco anos de suas vidas, elas investem financeiramente, para ao final não ter a garantia de poder atuar na profissão. Porque há um sistema de filtro que é a prova da OAB. Este sistema também gerou, como se sabe, um mercado paralelo gigante que é o dos cursos preparatórios para a prova da OAB. Então, os mesmos professores, as mesmas instituições que oferecem os cursos de graduação, também oferem o cursinho para depois passar na prova da OAB. É um sistema de criação de um mercado de Educação e o mercado da prova e que não garante de forma alguma que os que passaram na prova da OAB ofertarão para a sociedade um serviço mais ético, mais profissionalizado, que resguarde os direitos da população. Isso também é bastante questionável na área do direito.

No entanto, o formado em Direito pode utilizar o seu diploma de graduado para outras atividades, para prestar concurso público, para atuar em outras áreas da advocacia e do direito que não exigem o registro da OAB, então a prova não invalida o diploma. Na área da farmácia, em que a grande maioria das atividades profissionais estão relacionadas à responsabilidade técnica, o diploma de farmácia sem o registro profissional vai ter pouca valia. Então, essas pessoas que foram expostas a pagar e a investir o seu tempo, mais em cinco anos, para fazer um curso de graducação em farmácia, não terão ao final a garantia de poder exercer alguma profissão, porque sem registro profissional muito pouca utilidade terá o diploma de bacharel em farmácia. Isso afeta o direito das pessoas, adquirido pela frequência a um curso de gradução. Mas o curso era ruim… mas ele foi registrado no MEC! Ou seja, o Estado chancelou este curso. Então, isso gera um dilema social entre a oferta de cursos e depois o registro por outro órgão de Estado, que é o Conselho Profissional, de não registrar a inscrição daquele profissional. Isso gera um problema de ordem social.

Portanto, uma prova de filtro para o registro não parece ser uma solução mágica e simples. Um problema complexo como este exigirá uma proposta muito bem desenvolvida de avaliação dos cursos ofertados – obrigação do Estado brasileiro, através da área da educação e da saúde – e avaliação de egressos e de profissionais Ou seja, precisamos, ao meu ver, de uma cultura de qualidade da formação e de qualidade de atuação profissional.

Por Renata Mielli

Publicado em 30/01/2018

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