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Há muito o que fazer para vencer as dificuldades

Nas mesas de negociações deste ano, temos presenciado grande resistência patronal em negociar ganhos salariais, em função do baixo crescimento, da inflação mais alta e da elevação da taxa de desemprego. Em algumas mesas tem se verificado, inclusive, negociações que nem ao menos repõem a inflação, como constatou o Balanço das Negociações divulgado em 27/08 pelo DIEESE. É um típico comportamento empresarial que objetiva transferir os principais ônus da crise, comprimindo os rendimentos dos trabalhadores. Leia a íntegra do artigo do economista José Álvaro de Lima Cardoso.

Com consideráveis diferenças setoriais, as empresas ganharam muito dinheiro nos últimos anos, em razão do efeito virtuoso do aumento do emprego e dos salários reais sobre a demanda agregada. A grande conquista da sociedade brasileira nos últimos anos foi a expansão inédita do mercado consumidor interno, nosso grande trunfo,
inclusive, contra a crise mundial instaurada no mundo a partir de 2009. No atual contexto de ajuste fiscal e de persistência da crise mundial, nosso vasto mercado interno é dos mais valiosos ativos que o país possui e temos que mantê-lo. Passado o pior da crise, inclusive, devemos retomar a sua ampliação.

Antes de se pensar em interromper um ciclo de melhoria dos rendimentos dos trabalhadores há muito o que fazer para enfrentar os efeitos da crise. Um dos principais desafios do Brasil, por exemplo, é reduzir as taxas de juros. A tese de que se irá controlar a inflação com juros estratosféricos não tem base técnica, é muito mais uma construção político-ideológica, que visa exclusivamente manter os privilégios de uma casta rentista, com visíveis prejuízos aos país. O Brasil vem crescendo pouco,
arriscando as conquistas dos últimos anos, basicamente porque somos “campeões mundiais” em taxa de juros. Não há economia que consiga decolar com a combinação de superávit primário elevado e as maiores taxas de juros do planeta.

O fato é que, com a economia mundial enfrentando os efeitos da pior crise dos últimos 86 anos, a política de juros estratosféricos e as transferências de recursos públicos aos rentistas representam uma espécie de “rendição” ao capital financeiro. Não é por coincidência que, apesar da economia brasileira estar estagnada, o lucro líquido dos bancos no segundo trimestre do ano alcançou R$ 19,15 bilhões, elevação de 43% sobre o resultado do setor no segundo trimestre do ano passado. Expansão de lucro líquido neste momento em que a economia real não cresce, mostra o quanto o sistema financeiro está descolado do ciclo produtivo do país e quanto a política monetária está voltada para garantir o lucro dos rentistas.

Mas não tem sido apenas o setor financeiro que, mesmo com a crise, tem apresentado ótimos resultados. Segundo a consultoria Economática, no segundo semestre deste ano, 321 empresas de capital aberto no Brasil acumularam um lucro de R$ 41,9 bilhões, alta de quase 15% em relação aos R$ 36,5 bilhões obtidos no mesmo período de 2014. Além dos bancos, entre os setores mais lucrativos, estão mineração (R$ 5,09 bilhões), alimentos e bebidas (R$ 3,25 bilhões), energia elétrica (R$ 3,12 bilhões), telecomunicações (R$ 2,33 bilhões), seguradoras (R$ 1,62 bilhão), papel e celulose (R$ 1,35 bilhão) e indústria química (R$ 1,35 bilhão). Apesar de todo o alarido da crise, os dados da Economática mostram ainda que, das 60 empresas da carteira Ibovespa, 33 tiveram aumento de lucratividade, 27 tiveram queda do lucro (mas tiveram lucro) e apenas 5 registraram prejuízo no 2º trimestre, na comparação com 2014.

*Economista e supervisor técnico do Dieese

 

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